Moluscos marinhos conhecidos como chocos ou sépias têm capacidade de autocontrole, segundo um novo estudo publicado nesta terça-feira no periódico científico Proceedings of the Royal Society B. Para chegar a essa conclusão, biólogos marinhos da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, adaptaram um famoso teste usado com crianças humanas e o aplicaram no contexto desses cefalópodes, parentes dos dos polvos e das lulas.
O experimento em questão é o “teste do marshmallow de Stanford“, criado na década de 1960 pelo psicólogo Walter Mischel. Nele, crianças são colocadas de frente para um marshma(ou outro petisco) e têm duas opções: comer a guloseima logo de cara ou esperar 15 minutos e em troca ganhar mais um doce, totalizando assim dois. O experimento é projetado para testar a capacidade de autocontrole das crianças em uma situação de recompensas limitadas.
A escolha de atrasar a recompensa é fruto de habilidades cognitivas mais desenvolvidas, como a capacidade de planejar o futuro.
O teste foi originalmente projetado para tentar entender com que idade um ser humano é inteligente o suficiente para entender que atrasar um pouco o prazer imediato pode significar um resultado melhor mais tarde. Em geral, metade das crianças entre 3 e 5 anos escolhe comer a guloseima imediatamente, enquanto a outra metade espera para ter uma refeição dobrada.
Obviamente, repetir o mesmo experimento com animais exige adaptações, porque não é possível explicar para os bichos que eles receberão mais comida caso resistam à gula por quinze minutos. Mas é possível treiná-los para entender a situação – e isso já foi feito anteriormente com primatas não-humanos, corvos e papagaios, todos os quais demonstraram, em maior ou menor grau, a capacidade de autocontrole para ter melhores resultados no futuro. Galinhas e pombas, por sua vez, falharam no experimento.
Agora, pela primeira vez, um invertebrado demonstrou a capacidade de autocontrole em um experimento do tipo. Biólogos marinhos da Universidade de Cambridge testaram a hipótese com chocos (Sepia officinalis) que vivem nos laboratórios da faculdade. No experimento, o molusco tinha duas opções: ele poderia se dirigir a uma câmara separada de seu aquário contendo uma espécie de camarão que não é sua comida preferida e ingeri-lo imediatamente; ou poderia esperar uma segunda câmara abrir, contendo uma outra espécie de camarão que é a comida favorita dos chocos – mas essa câmara só abria se o molusco resistisse a tentação de comer imediatamente o camarão menos apetitoso.
Ao todo, os biólogos testaram o cenário com seis chocos diferentes, em várias rodadas. A cada rodada, a segunda câmara, contendo o melhor petisco, demorava 10 segundos a mais para ser liberada.
Todos os chocos esperaram pelo camarão melhor e alguns foram capazes de tolerar até 130 segundos de espera – um tempo comparável com o autocontrole visto em outras espécies que passaram no teste, como chimpanzés e papagaios.
A equipe também testou a capacidade de aprendizado dos bichos em uma segunda etapa do experimento, relacionando um símbolo específico em uma das portas a uma recompensa em forma de comida (por exemplo, uma porta com um símbolo redondo significava um apetitoso camarão). Após todos os animais aprenderem essa associação, os cientistas trocaram os símbolos (agora, a porta que tinha a comida era uma com um símbolo quadrado, por exemplo).
Os chocos que haviam conseguido resistir a mais tempo conseguiram notar a mudança mais rapidamente e aprenderam qual era o novo símbolo relacionado a recompensa antes de seus colegas.
Isso indica que há uma relação entre a inteligência geral dos chocos e sua capacidade cognitiva de autocontrole, segundo a equipe – uma correlação já observada em primatas e, inclusive, humanos.
O experimento reflete os resultados já feitos com outros animais e reforça que os humanos não são os únicos com capacidade de planejar o futuro, mas é especial porque é a primeira vez que isso ocorre com um animal invertebrado – que, na escala evolutiva, se separou há muito tempo dos ancestrais dos hoje vertebrados e é bastante diferente de nós. Apesar de cefalópodes como os polvos e os próprios chocos serem conhecidos por uma inteligência intrigante, o fato de terem autocontrole é surpreendente, já que essa espécie não é social como os primatas ou as aves que demonstraram a mesma característica. E acredita-se que conviver em uma estrutura social complexa seja uma das formas que ajuda a selecionar capacidades cognitivas como a do autocontrole.
Segundo a equipe, uma das hipóteses é que essa característica tenha surgido por causa do estilo de vida desses animais. Os chocos passam a maior parte do tempo parados no oceano, camuflados em pedras ou na areia, e só quebram o disfarce para sair em busca de comida. Quando estão no processo de caçar, ficam vulneráveis aos seus próprios predadores.
“Especulamos que a capacidade de atrasar a recompensa seja um subproduto disso, para que o choco consiga otimizar a busca de comida ao esperar para escolher o alimento de melhor qualidade”, explicou em comunicado Alexandra Schnell, autora da pesquisa.
Fonte: Super Interessante