Logo que o “confinamento” começou no Brasil, uma rara boa notícia chegou nas ONGs que cuidam de animais abandonados e centros de controle de zoonoses. Com mais tempo em casa, pessoas passaram a procurar os centros de adoção para buscar um novo companheiro para o isolamento. Assim, nos primeiros meses de pandemia, a procura por adoção de cães e gatos aumentou.

Passado um ano, a pandemia vive seu pior momento no Brasil, que além da crise sanitária vive uma crise social e econômica gigantesca. O auxílio emergencial acabou, as pessoas perderam seus empregos, e adivinhe o que aconteceu com os cães e gatos? Muitos dos que foram adotados foram devolvidos ou voltaram a ser abandonados.

Ainda tivemos casos de animais que foram abandonados por desinformação, já que seus donos tinham medo da transmissão do novo coronavírus. A evidência que temos hoje é a de que cães e gatos NÃO podem transmitir a covid-19. A notícia nos últimos meses é bem pior do que aquela primeira: recorde de abandonos, ONGs superlotadas e pessoas que resgatam animais exaustas. Com a crise, as doações para essas instituições ainda diminuíram significativamente. Ou seja, elas têm mais animais e menos recursos.

O problema do abandono de animais no Brasil é enorme e não se resume apenas a esse momento de crise. A OMS estima que existam no país cerca de 10 milhões de gatos e 20 milhões de cães abandonados no país. Uma pesquisa de 2015 do IBOPE e Instituto Waltham mostrou que seis em cada dez brasileiros deixariam seu animal caso tivessem que se mudar de casa, sendo esse o principal motivo de abandono entre as pessoas que já tiveram um cão ou gato. Entre os motivos evitáveis ainda estão a falta de tempo, questões comportamentais e a chegada de um filho. Além do sofrimento a que são submetidos, os animais abandonados representam uma série de problemas para a saúde pública, já que podem transmitir zoonoses como raiva, esporotricose, leishmaniose e leptospirose. Isso sem contar nos problemas como acidentes de trânsito, sujeira, ataques a pessoas, entre outros.

O perfil de abandonados nas ruas brasileiras é bem estabelecido: animais sem raça definida, os populares vira-latas, são a esmagadora maioria. Os cães de raça são a grande preferência do brasileiro. Quando se trata de adoção de um cão de raça, existe fila, e pessoas se deslocam centenas de quilômetros para buscar. Quando o animal é de raça, não existe tempo ruim, sempre cabe em casa! Já a adoção de vira-latas, mais especificamente, os pretos e de pelo curto, é muito mais difícil, e muitos deles acabam passando a vida toda em abrigos, sem ter uma oportunidade de adoção.

Um problema brasileiro?

Obviamente o problema do abandono de cães e gatos não se restringe ao Brasil. A mesma OMS estima em 200 milhões o número de cães abandonados no mundo. Como todos os problemas, esse também é mais comum em países pobres. Aqui onde vivo, no interior da Espanha, o problema realmente parece bem menor, e não se vê animais nas ruas. Excelente, não? Ainda que os números sejam menores, nem tudo é uma maravilha?

Não bastassem as famosas e abomináveis touradas, depois que me mudei para cá descobri que os espanhóis têm mais alguns costumes horríveis com relação aos animais. 90% do território do país é liberado para a caça, e a Espanha é o único país da União Europeia que ainda permite a caça com galgos. Nessa modalidade, o animal é o responsável por abater o coelho. Eles até têm uma raça de cão para isso: o galgo espanhol. O pior é que ao fim da temporada de caça aos coelhos, em fevereiro, os cães que não atenderam às expectativas, ou que estão velhos, são abandonados pelos donos. Muitos deles são encontrados com sinais de uma vida de maus-tratos.

Sabe como descobri isso? Nos últimos meses encontrei 3 galgos espanhóis nas estradinhas da região. A princípio achei que era uma coincidência, mas depois, ao pesquisar um pouco sobre o assunto, descobri que as estimativas são de aproximadamente 50 mil galgos abandonados todos os anos, especialmente em fevereiro, que é conhecido como o “mês do medo” para os galgos. Aqui existem diversas ONGs que atendem especialmente a esses animais e alguns centros de adoção estimam que 90% de seus cães são de caça. Uma pesquisa de 2019 indicou que o descarte após temporada de caça é a segunda causa de abandono no país, perdendo apenas para as ninhadas não desejadas.

Notamos que os motivos para abandono são bem diferentes nos dois países, mas independente de qual seja, só demonstram a insensibilidade e a imbecilidade humana!

E qual a solução?

Os Países Baixos se tornaram o primeiro país do mundo livre de cães de rua. Para isso, foram instituídas uma série de políticas: são cobrados impostos sobre a venda de animais, de maneira a incentivar a adoção. Os donos ainda têm que fazer um registro obrigatório e pagar outro imposto para ter a posse de um animal.

Também existe um programa de coleta, castração, vacinação e soltura dos animais de rua. Assim, mesmo os sem dono são castrados, eliminando a reprodução. O país ainda pune o abandono com multa pesada de 16.750 euros (aproximadamente R$ 115 mil, na conversão de 10/03/2021) e prisão de até 3 anos. Claro, não temos como comparar um país pequeno e extremamente desenvolvido como os Países Baixos com o Brasil. Porém, já temos uma experiência no mundo provando que é possível eliminar esse problema e na qual se espelhar.

No Brasil, tivemos uma mudança na lei de maus tratos a animais no ano passado, e esses crimes passaram a ter punição mais severa. Agora, o crime de abandono pode render até 5 anos de prisão. A grande questão é que ela se cumpra. Você pode fazer a sua parte para não contribuir para o problema. Antes de trazer um animal para dentro de casa, planeje bem, tenha certeza de que você tem condições financeiras e possibilidade de cuidar bem dele. Animais de estimação geram gastos com alimentação, veterinário, remédios e vacina, entre outros. Também demandam tempo e atenção. Se você já tem um cão ou gato, evite que ele tenha acesso à rua e, se não for possível, castre o seu animal.

Se após pesar tudo você realmente quer ter um bicho de estimação, na próxima semana falarei um pouco sobre compra e adoção.

Galgo

Join our newsletter

Volutpat vel turpis nulla lorem sed semper. Aliquam sagittis sem libero viverra vehicula nullam ut nisl.